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MATÉRIA TÉCNICA

Mini Currículo:

KLEBER GOMIDE – Engenheiro Civil (USF, 2005), Mestre em Engenharia de Estruturas (Unicamp, 2008), Especialista em Gerenciamento de Projetos – PMI (SENAC, 2012), Professor do ensino técnico no Centro Paula Souza, foi Docente e Coordenador do Curso de Engenharia Civil, Engenharia Elétrica e Engenharia Eletrônica do Centro Universitário Padre Anchieta – UNIANCHIETA entre 2009 e 2020, fundador e sócio das empresas ESTATI Engenharia e Construtora ARSTEK. Registrado no CREA-SP sob n. 5061296783

 

Texto:

A importância da Manutenção Preventiva de Imóveis

 

A cultura de manutenção preventiva é bastante importante para conservação de qualquer bem material, seja este móvel ou imóvel, independentemente de seu valor, já que frequentemente se verifica a deterioração precoce de bens por negligência de manutenções preventivas por parte de seus usuários.

Verifica-se frequentemente proprietários de automóveis realizarem revisões preventivas em seus veículos, sejam estas pela manutenção da garantia de fábrica, sejam na precedência de ocasiões especiais, tais como viagens de férias, por exemplo. A razão principal que motivam tais revisões é a segurança dos ocupantes do veículo, sendo frequente a inspeção em pneus, sistemas de freio, iluminação e motor do automóvel.

Porém, quando pensamos em manutenção preventiva de edificações verifica-se um número mínimo de proprietários que a adotam, seja pelo conceito bastante equivocado de que as estruturas possam ser eternas, de manchetes e conceitos ultrapassados garantindo durabilidade acima de 50 anos para determinadas estruturas, como o concreto armado e, ainda, a ideia de que “time que está ganhando não se mexe” ou de que “quando quebrar consertamos” que acabam por negligenciar patologias de simples reparação tornando-as casos severos, que podem comprometer a estabilidade e segurança da estrutura.

Em aulas sobre Patologias de Estruturas costumo perguntar aos alunos, em geral formandos e alguns já formados em Engenharia Civil, qual a frequência em que inspecionam as estruturas de suas residências, as respostas costumam apresentar um silêncio que preocupa bastante este professor, ao longo dos quase quinze anos na vida acadêmica.

Esta preocupação se mostra relevante quando observamos acidentes graves ocorridos em edificações, amplamente divulgados pela mídia. Um deles, um dos mais emblemáticos, ocorreu no carnaval de 1998 na capital carioca, vitimou fatalmente 8 pessoas e deixou cerca de 130 famílias desabrigadas. Na ocasião, acompanhei atentamente as notícias, mesmo ainda sendo um adolescente, estudante do curso técnico em Edificações. As informações acerca do acidente como evento midiático traziam informações da utilização de materiais incorretos, como por exemplo areia de praia, o que efetivamente não se mostrou como causa principal do acidente do prédio, ainda novo, com cerca de 3 anos de utilização.

Na investigação deste acidente, tornaram-se evidentes patologias severas em elementos estruturais como lajes e pilares, com deficiência do cobrimento de concreto que viabilizaram, em região marítima, corrosão de grandes proporções mesmo para uma estrutura dita nova. Uma boa inspeção, conduzida por profissionais habilitados e experientes, poderiam ter vislumbrado tais patologias, prescrito técnicas de reparos e recuperação que, a tempo, teriam salvo as oito vítimas fatais e evitado a dispendiosa demolição do edifício, realizada em tempo recorde, além de todo o prejuízo material e moral dos moradores.

O acidente do Palace II, movimentou o corpo técnico da Engenharia Civil nacional, e os mobilizou em prol da revisão da norma brasileira de dimensionamento de estruturas em concreto (NB-1), datada até então de 1978, em que a principal inovação consiste em fixar condições mais seguras quanto à durabilidade das estruturas, sendo publicada em primeira edição em 2003, após inúmeras discussões, já com nova nomenclatura, vigente até os dias atuais, como NBR 6118, sendo sua última revisão em 2014.

A publicação da nova norma de concreto, NBR 6118, trouxe importantes inovações para a época ao fixar cobrimentos de concreto maiores para as armaduras, maiores resistências à compressão do concreto e reduzidas relações água-cimento, conduzindo a menor porosidade do concreto, dificultando, assim, seguidas às prescrições normativas, o aparecimento e agravamento de corrosão em armaduras.

Mesmo com os avanços conquistados com a nova norma, pouco foi implementado quanto ao favorecimento de manutenção preventiva em edificações e à própria conscientização de proprietários de imóveis e profissionais de construção civil nacionais.

Avançando pela cronologia, este preocupado professor ainda assistiu outros acidentes perfeitamente evitados, como por exemplo o desabamento de três prédios também na capital carioca, em janeiro de 2012, provocados pela retirada de elementos estruturais de um deles, por ocasião de um retrofit em um dos andares. Depoimentos da época dão conta da retirada de pilares do edifício em determinado andar, as consequências, a perda de 19 pessoas e o desaparecimento de mais 3, ou seja, três famílias não puderam nem velar os seus entes, por uma negligência básica às boas técnicas de engenharia.

Este outro acidente motivou a comunidade técnica a discutir novamente a situação, sendo apresentada em 2014, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, a NBR 16.280 que versa sobre a gestão de reformas e corrobora com a legislação vigente de que o síndico do condomínio tem que se responsabilizar a não permitir que edificações sejam reformadas ou modificadas sem o acompanhamento técnico de profissionais habilitados, engenheiros civis ou arquitetos.

A publicação desta norma trouxe um burburinho relevante na comunidade técnica, o que em minha visão tinha tudo para que se moralizasse, finalmente, a questão, porém sua publicação é realizada quando o Brasil começa a mergulhar em grave crise econômica, moral e política, causando demissões em massa, sendo a indústria da Construção Civil a mais penalizada. Neste momento, em que o profissional deveria valorizar seu trabalho, já que iria ser responsável perante a sociedade por esta gestão de reformas e por entendimento errôneo de síndicos e proprietários, os condomínios exigiam apenas uma simples ART – Anotação de Responsabilidade Técnica dos profissionais, que em certas ocasiões, nem mesmo vistoriavam o apartamento antes da emissão do documento, cobrando preços irrisórios para se responsabilizarem pela reforma. O síndico, em sua condição cômoda mediante a emissão de documento oficial (ART) que o isentava de problemas, em sua maioria esmagadora, nunca indagou proprietários ou cobrou a presença destes profissionais (engenheiros ou arquitetos) ao longo da consecução das reformas.

A emissão de ARTs para reformas passou a ser mercado valioso (ou não) para diversos profissionais, experientes ou não, que não encontravam empregos em sua área e se submeteram, acredito que a maioria sem saber as implicações legais da emissão deste documento, a vender o documento, quase que em preço de liquidação. E o leitor, deve estar curioso sobre quais implicações, digo, ao “assinar” uma ART o profissional torna-se o único responsável pela gestão da reforma e toda e qualquer implicação que a mesma possa causar no edifício, esta responsabilidade profissional contempla as áreas cível e criminal, além de que problemas graves, podem causar sanções por parte dos Conselhos (no caso o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia para os engenheiros e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo para os colegas arquitetos). Estas sanções podem ser simples, como sanção pública ou mais graves, como a perda, vitaliciamente, do registro profissional, sem o qual o profissional não poderá atuar, já que se o fizer, sem registro, comete Exercício Ilegal de Profissão. O que me pergunto: Vale a pena?

Nesta pergunta, chego a um acidente recente, ocorrido em outubro de 2019, mais precisamente e talvez de forma irônica, no dia do Professor (15), no município de Fortaleza-CE. Um edifício de sete pavimentos, construído no início da década de 1980, desabou após serviços de manutenção de pilares (pilotis) na garagem, severamente comprometidos por patologias que, pelas imagens divulgadas, já os acompanhavam por vários anos. Os vídeos de câmeras de segurança do edifício mostram um operário rompendo o cobrimento dos pilares, sem haver qualquer escoramento dos elementos acima destes, e após alguns minutos de vídeo, o edifício colapsa, matando nove pessoas e desabrigando várias famílias, inclusive de edifícios vizinhos.

Reportagens mostraram que outras empresas haviam realizado orçamentos para reparo nos pilares, inclusive demonstraram fotos das patologias que os acometiam, levando à minha humilde conclusão de que estes problemas já se prolongariam por anos. A síndica, infelizmente uma das vítimas fatais, conforme a mídia anunciou havia consultado empresas para reparação das patologias e, segundo registros no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do estado do Ceará, contratou uma empresa, e um jovem colega, recém-formado engenheiro civil se responsabilizaria pelas obras.

Deste acidente, ainda não totalmente esclarecido pelas autoridades competentes, ficam as dúvidas, sobre se de fato a intervenção realizada pela empresa no dia do desabamento foram por si só a responsável pelo acidente, não se afastando a imperícia nas técnicas utilizadas, mas me parece claro a falta de manutenção preventiva neste e, infelizmente, outros edifícios, sejam em áreas litorâneas, mais sensíveis à corrosão, sejam em qualquer outro lugar.

Estes acidentes nos mostram a importância de inspeções periódicas em edificações conduzidas por profissionais legalmente habilitados e especializados nesta área para que, identificando patologias, as classifiquem e apontem meios de reparo e recuperação aos proprietários dos imóveis que devem realiza-las de acordo com planos de manutenção, assim evitando desastres que podem comprometer seu próprio imóvel, seus vizinhos e causam grandes perdas materiais e humanas, de difícil reparação.

Cabe aos proprietários de imóveis observarem sinais evidentes de possíveis patologias, como trincas, fissuras, umidades, eflorescências, entre outros e consultar estes profissionais habilitados para que proponham soluções que mantenham a edificação íntegra e segura. O mesmo conceito utilizado na revisão de automóveis que permeia a segurança dos usuários devem ser empregados em edificações, já que os danos podem, e em geral são, muito maiores que os danos causados em acidentes automobilísticos, sendo os exemplos relatados aqui, uma pequena porção de inúmeros acidentes em edificações que ocorrem todos os dias no Brasil.

Toda e qualquer estrutura, devidamente dimensionada, apresentarão sinais patológicos previamente a sua ruína e somente profissionais preparados, do ponto de vista acadêmico e profissional, saberão as identificar, associar às causas e propor soluções de recuperação.

Infelizmente, há um ditado popular de que “engenheiro e médico todos temos um pouco”, ou seja, pessoas leigas, sem conhecimento técnico, aventuram-se na identificação ou negligência de patologias das edificações e, ainda preferem contratar um “bom pedreiro com anos de experiência” ou um “bom zelador” do que uma empresa ou profissional de engenharia. Como mudar isso? Somente com a valorização do profissional e com a demonstração clara de que aquela simples trinca na sua parede pode estar mascarando uma patologia severa que pode levar seu imóvel à ruína. Difícil? Não posso afirmar, mas toda vez que penso, associo esta ação à propaganda dos versos dos maços de cigarro.

 

 

Referências Bibliográficas:

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118:2014 Projeto de estruturas de concreto — Procedimento. Rio de Janeiro, 2014. 238 p.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16280:2015 Reforma em edificações — Sistema de gestão de reformas — Requisitos. Rio de Janeiro, 2015. 11 p.

CUNHA, JOSÉ CELSO. Palace II: a implosão velada da engenharia. São Paulo: Autêntica Editora, 1998.

JUNIOR, CIRILO. RJ: paredes de prédio que desabou foram derrubadas por obra, diz PF. Disponível em: < https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/rj-paredes-de-predio-que-desabou-foram-derrubadas-por-obra-diz-pf.html>. Acesso em 20.nov.2019.

RIZZO, MARCEL. Prédio residencial de 7 andares desaba em Fortaleza. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/10/predio-residencial-de-7-andares-desaba-em-fortaleza-vitimas-sao-procuradas.shtml>. Acesso em 20.nov.2019.

ZAREMBA, JÚLIA. Marquise de prédio desaba nos Jardins, em SP, e mata aluno do Santa Cruz. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/11/marquise-desaba-nos-jardins-em-sp-e-deixa-um-morto-e-um-ferido.shtml>. Acesso em 20.nov.2019.

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